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Um jeito hacker de ser

Nelson Pretto – professor da Faculdade de Educação da UFBA – www.pretto.info

Algumas palavras ganham o imaginário popular por conta de um intenso uso pela mídia, mas com significados equivocados, quase que opostos aos seus sentidos originais. Para a maioria, os hackers são aqueles nerds que invadem os computadores para roubarem senhas, dinheiro ou realizarem operações fraudulentas. A palavra hacker, contudo, surge no meio dos programadores de computador para designar aqueles que se dedicam com entusiasmo ao que fazem nesse campo. Steven Levy, em um interessante livro sobre a história da computação, afirma que os hackers trabalham de forma aficcionada para “tomar as máquinas em suas mãos para melhorar as próprias máquinas e o mundo”.

Foi o esforço coletivo e colaborativo dessa turma que possibilitou a criação e a presença da internet em quase todo o planeta. No entanto, muito ainda se tem que avançar em termos de políticas públicas para que, de fato, todos as classes sociais tenham acesso a ela. No Brasil, são importantes as ações do governo federal, como o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) e o projeto “Um Computador por Aluno” (UCA), este em implantação em fase piloto, em diversos estados brasileiros. Também merecem destaques as discussões sobre o Marco Civil da Internet e a necessária reforma da Lei de Direito Autoral que, depois da recente consulta pública, deverá ser consolidada e encaminhada ao Congresso.

Iniciativas como essas, contudo, precisam estar acompanhadas de uma reflexão mais profunda sobre os valores éticos contemporâneos. Isso porque não podemos pensar na utilização dessas redes simplesmente com o objetivo de transformar cada cidadão em apenas mais um mero consumidor, seja de produtos ou de informações. Pensar para além dessa estreita lógica do consumo é um desafio cotidiano e tem nos movido a pesquisar sobre a temática da chamada “ética hacker”, expressão cunhada pelo filósofo finlandês Pekka Himanen em livro de mesmo nome.

Nosso pressuposto é que uma nova cultura se estabelece a partir da forma de trabalhar dessa turma, tendo a paixão, o trabalho solidário e colaborativo como elementos socialmente necessários para a construção de um mundo sustentável. Essa forma de trabalhar – exemplarmente representada pelas bem sucedidas iniciativas do movimento software livre com o desenvolvimento do sistema operacional GNU/Linux, da Wikipedia, entre tantos outras – vem demonstrando que a sua motivação reside no alcance social de suas ações. Assim, pensamos a cultura hacker como um novo campo de luta pela socialização dos bens culturais e científicos, a partir do resgate do trabalho colaborativo e apaixonado, do incentivo à circulação plena de ideias e descobertas, do livre acesso ao conhecimento e a intensificação da criação.

A troca permanente de informações e conhecimentos possibilita a implantação de um círculo virtuoso de produção coletiva, inspirado na ideia de que conhecimento e cultura não são bens tangíveis e escassos, que ao serem consumidos se exaurem. Ao contrário, quanto mais eles circulam e são trocados, mais a criação é estimulada. Atribui-se a Bernard Shaw uma excelente frase que serve de metáfora para essa discussão: “Se você tem uma maçã e eu tenho uma maça, e nós trocamos as maçãs, então você e eu teremos uma maça. Mas se você tem uma ideia e eu tenho um ideia, e nos trocamos essas ideias, então cada um de nós terá duas ideias”. Complemento: cada um de nós terá pelo menos duas ideias, pois nada melhor do que a troca de ideias para a criação de muitas outras.

Assim, entretenimento, trabalho, cultura, educação, ciência, tecnologia, enfim, todos os campos podem e devem estar imersos nesses princípios, onde o prazer do fazer seja o grande combustível de todos, tendo a solidariedade, a generosidade e a mobilização colaborativa como forma de pensar e agir na construção de uma sociedade justa e democrática. Assumir na sua plenitude o nosso ativista jeito hacker de ser constitui-se uma atitude política de inserção social nessa rede.

 

 

 

 

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A obra Evento Ética Hacker e o desenvolvimento da Ciência e Tecnologia de Gec-Faced-UFBA foi licenciada com uma Licença Creative Commons – Atribuição – Uso Não-Comercial – Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não Adaptada. Com base na obra disponível em www.eticahacker.faced.ufba.br.