A produção de discurso pedagógico no marketing de conteúdo

Já está disponível no repositório da Universidade Federal da Bahia, o texto da tese de doutorado sobre os discursos pedagógicos no marketing de conteúdo, de Cleonilton Souza, pesquisador do GEC.

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A obra traz para o público-leitor os resultados dos estudos em nível de doutorado denominado de Discursos pedagógicos de marketing de conteúdo sobre algoritmos de plataforma: entre a adequação e a transformação, realizados no Programa de Pesquisa e Pós-graduação em Educação da Universidade Federal da Bahia, Salvador, Bahia, no período de 2020 a 2023.

O texto discorre sobre a produção de discursos no marketing de conteúdo sobre algoritmos computacionais, em blog de uma empresa brasileira de marketing digital. O trabalho analisa discursos cujos conteúdos são os algoritmos nas interações humano-máquina, no contexto do marketing no século XXI, discutindo a natureza da língua em uso em ambiente nativo digital, tendo como centro as especificidades do discurso pedagógico. Este é considerado na investigação como um tecnodiscurso, um compósito de elementos tecnológicos e linguageiros. 

O advento da internet consolidou relações sociais mediadas por objetos técnicos em intensos processos de codificação, produção acelerada de grandes quantidades de dados e práticas para tornar os diversos objetos e interagentes sociais interconectados. Os códigos em si já possuem traços de opacidade, o que resulta em mais dificuldade de acesso ao entendimento sobre como eles funcionam na vida em sociedade. Nessa conjuntura surgem empresas de marketing dedicadas à criação de ações de compartilhamento de informações sobre a natureza e o funcionamento dos algoritmos de plataformas. 

Alicerçada em um modo de fazer pesquisa distinto, denominado na obra de Análise sociocognitivo-discursiva, o trabalho se delineou a partir de duas bases teóricas: a dúvida como elemento para construção de interrogações sobre os discursos em análise e a curiosidade epistemológica como elemento de criação e descoberta.

O trabalho se pautou no argumento de que os discursos de marketing de conteúdo ocupam múltiplos domínios discursivos, que alcançam as esferas comercial e midiática, principalmente; esferas essas mais perceptíveis pela sociedade em geral, e alcançam também o domínio discursivo educacional, uma vez que essas práticas de linguagem se constituem como uma forma cultural que se apropria de um outro discurso originário (científico, comercial, técnico, filosófico, religioso e de senso comum), elaborando um novo modo de saber, comumente conhecido como saber didático, expresso na forma de discurso pedagógico. 

A pesquisa buscou articular saberes multirreferencializados, sob o amparo  da Hermenêutica de Profundidade, na qual o campo-objeto de investigação social é também um campo-sujeito, que se delineia em um processo interpretativo de compreensão e explicação de uma situação social que já fora interpretada, o que caracteriza o trabalho como uma reinterpretação da realidade. A articulação das múltiplas referências de saberes se pautaram em aportes teóricos dos Estudos Culturais, Estudos Críticos do Discurso, Filosofia da Técnica e Sociologia do Conhecimento. 

O estudo evidenciou que a produção discursiva no marketing de conteúdo se aproxima de práticas que visam modular e controlar comportamentos em mediações pedagógicas alicerçadas em construções discursivas injuntivas, de tom prescritivo, bem como tal prática contribui para a formação de um cidadão escritor/leitor condicionado a se relacionar sociotecnicamente com um duplo interlocutor: um ente humano e outro algorítmico. O ente algorítmico estabelece uma forma de relação técnica racionalizada e é quem decidirá de que forma uma publicação aparecerá nas páginas de resultado de um mecanismo de busca na internet.

O trabalho se constitui como uma contribuição relevante para os estudos relacionados às questões da técnica que permeiam a vida em sociedade no início do século XXI, no que diz respeito aos discursos pedagógicos produzidos em ambientes nativos digitais.

Visite o Repositório da UFBA para acessar a tese.

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Sobre o pesquisador:

Cleonilton Souza é licenciado em Letras pela Universidade Católica do Salvador e mestre em Políticas Sociais e Cidadania, pela mesma Universidade; possui doutorado em Educação pela Universidade Federal da Bahia e é integrante do Grupo de Pesquisa Educação, Comunicação e Tecnologias (GEC), da Faculdade de Educação da UFBA). O autor pesquisa as mediações entre o humano e a técnica no âmbito da educação.

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Seminário: “A Imagem-emaranhada: pedagogias críticas com o cinema”

Dia 12 de Abril de 2024, na Faculdade de Educação da UFBA, acontecerá a conferência “A Imagem-emaranhada: pedagogias críticas com o cinema” com participação do cineasta e doutor em Comunicação Social pela FAFICH/UFMG, Gustavo Jardim.

A conferência integra o Ciclo de Estudos “Educação, sociedade e práxis pedagógica”, uma ação de extensão permanente Programa de Pós-graduação em Educação (PPGE). Gustavo Jardim analisará como a comunicação pretende abarcar as nuances de um cinema experimental inserido em contextos formativos dentro e fora das escolas, buscando refletir sobre a natureza da transformação colocada em jogo em processos de pedagogias críticas com as imagens e os sons. Parte de filmes de referência mundial e alguns trabalhos produzidos por estudantes para  analisar as experiências de criação e crítica que apostam na produção de  singularidades com os cinemas e os territórios.

Serão comentadores da conferência a cineasta e produtora baiana Day Sena e o professor da Faculdade de Comunicação da UFBA José Roberto Severino. A mediação será de Tasso Dourado e a apresentação de Nelson Pretto (FACED/UFBA.

O evento acontecerá às 10 horas no auditório I da Faculdade de Educação da UFBA, no Vale do Canela, e estão todos convidados a se inscreverem no site do GEC: www.gec.faced.ufba.br.

Link para inscrição, clique aqui.

Será fornecido certificado de participação.

Quem são os convidados

Gustavo Jardim é cineasta e educador. Diretor de filmes documentários, experimentais e vídeo instalações. Mestre em Cinema e Educação pela FAE/UFMG. Doutor em Comunicação Social pela FAFICH/UFMG, com período sanduíche na Universidade de Chicago. É integrante do grupo de pesquisa Poéticas da Experiência e artista colaborador do South Side Home Movie Project em Chicago. Membro da coordenação da Rede KINO de cinema, audiovisual e educação na América Latina e do LAIS – Laboratório e Arquivo de Imagem e Som da FAE – UFMG. Curriculo Lattes.

Day  Sena  é  diretora  audiovisual,  diretora  de  produção  e  produtora  executiva  de  Salvador-BA. Atua há 18 anos no audiovisual e há 21 anos no mercado cultural. Foi a primeira coordenadora negra de TV na Bahia. Premiada duas vezes com Galgo de ouro no Festival de Gramado e duas vezes no Fest Aruanda. Já atuou fazendo a direção de produção de longas de ficção e documentários, curta  metragens,  séries,  webséries  e  realities.  Fez  a  direção  de  curta  metragens  como  Odum Adotá, É D’Oxum e Samba Junino – de porta em porta. Atualmente está em desenvolvimento de outros dois longas metragens que vai dirigir. À frente da Salamandra Produções, faz consultoria de projetos, formação em audiovisual e produção executiva de diversos projetos. Das obras que já atuou, destacam-se negociações ou exibições em canais e plataformas como Netflix, Amazon Prime, canal Brasil, TVE-BA, Canal Curta e HBO.

José Roberto Severino, Professor associado da Faculdade de Comunicação e do Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade da Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA. É pesquisador do Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura – CULT e do Diversitas/USP. Pesquisador da REC LAC- Rede de Cooperação Acadêmica para o PCI da América Latina e Caribe. Pesquisador do Grupo de Trabalho em Cultura e Políticas Culturais do CLACSO (Conselho Latinoamericano de Ciências Sociais). Pesquisador do Observatório da Economia Criativa da Bahia (OBEC) na Pesquisa Nacional de Práticas Educativas dos Museus Brasileiros: um panorama a partir da Política Nacional de Educação Museal – Pesquisa Educação Museal Brasil (PEMBrasil).

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Tabuleiro Digital, 20 anos

Tabuleiro Digital, 20 anos

Há 20 anos, no dia 23 de janeiro de 2004, em uma cerimônia festiva no vão do primeiro andar da Faculdade de Educação (FACED) da Universidade Federal da Bahia (UFBA) lançávamos o projeto Tabuleiros Digitais, uma criação do nosso grupo de pesquisa Educação, Comunicação e Tecnologias (GEC), que oferecia para a comunidade UFBA e para a população do entorno da FACED, acesso livre e gratuito à internet, numa época que ainda a escrevíamos com o I maiúsculo. Queríamos contribuir com a diminuição da desigualdade digital que até hoje ainda é grave no país. Os dados apontam números dramáticos, pois, em 2022, 62% dos brasileiros acessavam a internet apenas pelo celular. Isso constitui-se um acesso precário, na maioria das vezes apenas associado às redes sociais proprietárias que são verdadeiros jardins murados, pois não possibilitam a plena fruição da navegação livre na rede.

À época, estávamos no início da implementação da internet no país e, aqui na Bahia, sob a liderança da UFBA na gestão de Felippe Serpa (1994-1997), estávamos executando, após uma histórica aprovação do Conselho Universitário, um amplo processo de informatização da Universidade com a simultânea coordenação de implantação da internet na Bahia. Essa ação envolvia o governo do estado (CADCT/SEPLANTEC), a prefeitura de Salvador, as Federações da Indústria, Agricultura e Comércio e muitos outros setores da sociedade baiana.

Os Tabuleiros Digitais nasceram inspirados na ancestral presença das baianas de acarajé, que com seus tabuleiros povoam as praças e os cantos de Salvador, constituindo-se em verdadeiros monumentos materiais e imateriais, servindo, ao mesmo tempo, como espaços de encontro que além de alimentar o corpo, possibilitam conversas que nos alimentam espiritualmente. Os Tabuleiros Digitais, com essa inspiração, constituíram-se em espaços de diálogos – e de conflitos! -, ocupando áreas antes vazias da nossa FACED. Aliás, caberia pensar se, hoje, não seria importante retomarmos projetos como esse como uma forma de povoar nossas Universidades, esvaziadas após a pandemia.

O móvel, criado para o projeto e executado pela oficina do Liceu de Artes e Ofícios – que crime a sua destruição! – apoiava terminais de computadores que rodavam exclusivamente com software livre (Linux) e possibilitavam a navegação livre, ou seja, não necessariamente pedagógica, viabilizando o uso pleno da internet. O projeto, inicialmente apoiado pela Petrobras, também foi implantado em Irecê, de forma integrada ao Projeto Irecê, que ao longo dos anos contribuiu significativamente para a qualificação dos profissionais da educação do município.

Em 28/01/2004, aqui em A Tarde, uma manchete do antigo caderno Informática anunciava “No tabuleiro da baiana tem…” deixando para nós pensarmos o que mais poderia ter naqueles tabuleiros. Hoje celebramos, mesmo o projeto não mais existindo, dizendo no tabuleiro da baiana tem… tem muita coisa que merece ser celebrada, inclusive um tabuleiro digital.

Tabuleiro Digital, 20 anos
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Artigo de Carla Aragão e Gisele Cravero em A Tarde

Como os dados abertos impactam a vida cotidiana?

Carla Aragão e Gisele Craveiro*

O Brasil foi escolhido para ser o país sede da próxima edição da Condatos – Conferência Regional para Dados Abertos da América Latina e Caribe e do Abrelatam – Encontro Aberto para uma Região Aberta, eventos mais renomados e antigos da América Latina sobre dados abertos.

O anúncio foi feito este mês, em Montevidéu (UY), durante a realização da 10a edição dos eventos. A delegação brasileira, formada por representantes do governo, da academia e da sociedade civil, celebrou a oportunidade de alavancar o debate no país, onde a maioria das pessoas desconhece o impacto dos dados abertos na vida cotidiana.

A abertura de dados é condição fundamental para o fortalecimento da democracia, pois promove a ampliação e qualificação do controle social, por meio da participação cidadã e mais acesso a informações sobre as atividades do governo e gastos públicos, possibilitando a fiscalização das políticas públicas e a redução da corrupção.

Durante a edição em Montevidéu, as autoras deste artigo integraram o painel Produção colaborativa de dados com crianças e jovens para monitoramento participativo, com apresentação de experiências de engajamento de estudantes na produção de dados sobre a qualidade da educação, da alimentação escolar e do meio ambiente.

O projeto Estudantes de Atitude foi apresentado por Diego Ramalho (CG-GO), cabendo a Marcelo Morais de Paula (CGU-PA) contar a experiência de monitoramento da merenda realizada no Pará; a exposição da iniciativa Controladoria nas Escolas (CGDF) também se alinhou à proposta de discutir dados abertos com propósito e por direitos, filosofia de ambos eventos.

Representantes da sociedade civil expuseram seus trabalhos, a exemplo do data_labe, laboratório de geração, análise e divulgação de dados do Complexo da Maré (RJ); e a Open Knowledge Brasil (OKBR), que desenvolve ferramentas cívicas.

A OKBR e a Controladoria Geral da União (CGU) vão liderar a organização dos eventos e terão que encarar agendas desafiadoras, como a expansão da participação das populações negras e indígenas e de pessoas com deficiência; além de contemplar temas como violência online, inteligência artificial e monitoramento do clima, que figuram entre os prioritários.

A agenda de dados abertos está recuperando espaço no Brasil. Em setembro, foi realizada a Semana Dados BR 2023 com debates sobre governança de dados, infraestruturas públicas digitais, entre outros, em parceria com o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, o Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br) e a CGU. 

O país, no âmbito da Parceria para Governo Aberto (Open Government Partnership – OGP), está empenhado na realização do 6° Plano de Ação Nacional, desenvolvido este ano e que contou com contribuições de uma consulta pública. Temos muito trabalho pela frente.

*Doutora em Educação (UFBA). Jornalista. Gestora Social. Integrante dos grupos de pesquisa GEC (UFBA) e CoLab (USP). @carla.azevedo.aragao

*Profa. Dra. da Universidade de São Paulo (USP). Coordenadora do CoLab (USP). Integrante do Comitê da Iniciativa Latino-Americana de Dados Abertos (ILDA) e da Rede Internacional de Justiça Aberta (RIJA).

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Entrevista com Renata Mielli – coordenadora do CGI

Entrevista completa com Renata Mielli, coordenadora do CGI
por Nelson Pretto, professor da Faculdade de Educação da UFBA e pesquisador visitante na Universidade de Barcelona, desde Madrid/Espanha.
Madrid/São Paulo, 23 de maio de 2023

Publicado em formato reduzido em A Tarde de 09/06/2023, pag. B3.
Clique aqui para o pdf ma matéria no jornal. Acima o áudio completo da entrevista:



Renata Mielli
 
O debate sobre o PL 2630, a Lei  brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, também conhecido como PL das Fake News, relatado pelo deputado Orlando Silva (PCdoB/RJ) tem sido intenso envolvendo diversos setores, entre os quais o Comitê Gestor da Internet (CGI) que publicou recentemente duas importante Notas de Esclarecimentos e está realizando uma Consulta Pública sobre o tema. O CGI foi criado por um Portaria Ministeriais em 31 de maio de 1995 sendo responsável pelo estabelecimento de diretrizes estratégicas e técnicas para o funcionamento da internet no Brasil. Sua constituição é multissetorial, ou seja, envolve representação do governo, dos setores empresariais acadêmicos e do terceiro setor. Desde a sua fundação nunca havia sido coordenado por uma mulher, o que ocorre agora com Renata Mielli, que, além disso, há mais de 30 anos militante pela democratização da comunicação no Brasil. Nessa entrevista, realizada pela web com o uso do sistema Conferênciaweb/RNP, entre Madrid/Espanha e São Paulo/Brasil, Renata analisa o próprio CGI e os grandes desafios postos pelo PL 2630 para o futuro da internet no Brasil.


Nelson Pretto (NP): Como é, depois de 28 anos, o Comitê Gestor da Internet (CGI) ter a primeira mulher como coordenadora geral. O que representa isso para você e para o CGI?

Renata Mielle (RM): De alguma forma isso é um reflexo da mudança na participação das mulheres nas discussões que envolvem a internet no Brasil e tem relação direta, também, com a luta pela participação da mulher em espaços de poder, pelo maior protagonismo feminino nos temas de interesse nacional. Minha indicação como primeira mulher como Coordenadora do CGI, tem relação com todas essas lutas que tem sido desenvolvidas pelas mulheres há mais ou menos 30 anos, ou pelo menos desde a redemocratização [do país, 1985]. Há 28 anos atrás, quando o CGI foi constituído, a comunidade científica, acadêmica e comunidade das organizações que atuavam no campo de telecomunicações ou de tecnologia era essencialmente composta por homens. Isso hoje mudou, hoje você tem um número considerável de mulheres atuando nas ciências da computação e na engenharia. Desde os debates [para a construção] do Marco Civil da Internet [Lei 12965/2014] a gente vê um crescimento grande de organizações do movimento social interessados em discutir os temas da internet que até então era vista de uma forma muito tecnicista. Não tinha movimento social envolvido e quando você passa a envolver movimento social, as organizações de direitos digitais nascem naquele momento, você também aumenta a participação das mulheres. Então, eu vejo como reflexo de uma mudança na própria composição da comunidade que debate a internet no Brasil. Para mim, então, é uma grande responsabilidade porque hoje no CGI temos duas conselheiras mulheres eleitas pelo terceiro setor, uma mulher conselheira eleita pelo setor acadêmico e temos, se não me engano, mais duas mulheres além de mim representando o poder público. Então, a gente vai crescendo comunidade de mulheres e vamos tendo a responsabilidade de sermos respeitadas e ouvidas nesse ambiente ainda tão masculino.

NP: Poderíamos aplicar mais ou menos esse mesmo raciocínio ao fato de você também vir do terceiro setor?

RM: Essa é outra coisa que eu acho que é uma mudança grande de paradigma. Não é apenas o fato apenas de eu ser a primeira mulher, mas eu sou a primeira mulher que vem não exatamente da comunidade técnica e que também não vem de uma trajetória do poder público. Eu atuei durante os últimos 30 anos da minha vida na luta pela democratização da comunicação no Brasil, sou essencialmente uma militante do movimento social brasileiro. Essa é outra quebra de paradigma muito importante, diria que talvez até mais importante do que ser mulher, porque é de fato uma mudança de olhar sobre como se constrói as práticas políticas dentro de um espaço de governança multissetorial. É claro que hoje eu sou governo, estou no MCT [Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação], tive a honra de receber o convite da Ministra Luciana Santos para assumir essa tarefa, minha condução é construída também em diálogo com o Ministério, a partir das visões estratégicas que o Ministério e o governo tem, mas sempre com essa perspectiva, com uma trajetória de acúmulo que vem do movimento social. Acho que isso até causou no primeiro momento algum tipo de temor, mas aos poucos também a gente vai mostrando para as pessoas que o movimento social é composto por gente que tem as melhores intenções de construir consensos e não impor de forma taxativa determinadas posições, mas tem mesmo o papel de construção de consenso e esse é o papel da coordenação do CGI, escutar e a partir da escuta buscar a produção de consensos. No movimento social a gente já faz muito isso.

NP: Você falando dos movimentos sociais. me vem à memória os maus momentos que o CGI passou no governo passado desconsiderava totalmente os Conselhos. Além do seu envolvimento histórico na luta pela democratização da comunicação, você também já estava envolvida na questão da internet. O CGI correu perigo no governo passado?

RM:Naquele momento houve um alerta muito grande, um temor, porque o governo acabou com todos os espaços de participação social, exceto aqueles que estavam previstos em lei. A gente teve bastante receio de que isso alcançasse o CGI [… e isso não aconteceu] principalmente porque ele era um espaço multissetorial que tinha atribuições previstas no Marco Civil da Internet. Então, veja como foi importante a luta que nós fizemos durante os debates do MCI, de criar obrigações no escopo da missão do CGI prevista no decreto [de sua instituição], mas a existência da menção a ele no Marco Civil da Internet foi esse um fator de proteção importante do CGI e esse é um dos motivos que fez com que o CGI se mantivesse em funcionamento durante o governo Bolsonaro. Mas não foi só isso, acho que também houve ali uma percepção do governo que acabar de forma discricionária com a instância de governança da internet reconhecida internacionalmente, referência em todos os debates de internet, que tem atribuições estratégicas para o pleno uso da internet no Brasil, isso seria algo muito complicado para o governo. Acho que naquele momento também, por conta de um grau de desconhecimento de como funcionavam as coisas. Isso e deu do ponto de vista institucional, mas do ponto de vista político [o CGI] passou por uma grande dificuldade durante o governo Bolsonaro […] com coordenadores indicados com um objetivo claro de evitar posicionamentos e iniciativas do CGI que pudessem representar algum confronto ao governo, então, ate pelo menos até o final de 2021 foi um momento muito difícil. Depois houve uma mudança na coordenação e se conseguiu ter o [José] Contijo que foi um coordenador que teve um papel importante para recompor minimamente o ambiente de diálogo, debate e de encaminhamento das questões.

NP: Com essa turbulência vivida pelo CGI, não seria necessário uma solução mais definitiva para o CGI, já que hoje, a cada três anos é preciso que o governo publique uma portaria para viabilizar a sua nova composição?

RM: Em 2017 a comunidade que atua nos debates da internet pressionou de certa forma os conselheiros do CGI e naquele momento foi construída uma consulta para receber contribuições sobre como deveria ser um processo de, digamos, de modernização, um desenho institucional, uma atualização do CGI diante dos novos desafios da internet, porque a internet de 2023 é totalmente diferente da internet de 1995, não é? Novas questões são colocadas e o CGI precisaria se readequar a esse novo momento da tecnologia, do desenvolvimento e do papel da internet na sociedade. Essa consulta reuniu uma série de contribuições e gerou um relatório bastante interessante, mas isso foi em 2017 e já enfrentou um primeiro ano do governo Bolsonaro e nada do que estava ali pode ser implantado. Então eu diria que nós precisamos retomar essa discussão, talvez reaproveitar o trabalho e a consulta que foi realizada naquele momento, não descartar esse trabalho de maneira nenhuma, mas atualizá-lo porque já tem cinco, seis anos e também nós já passamos por muitas modificações. Creio que esse vai ser um desafio do próximo mandato, isso porque vamos iniciar agora um processo eleitoral para eleição dos novos conselheiros que representam a sociedade civil, setor empresarial, acadêmico e terceiro setor, um processo que deve se concluir no final de novembro. Isso está muito atrasado porque é, de novo, o governo é quem convoca o processo eleitoral, através de uma portaria interministerial. Isso deveria ter sido convocado ano passado e por uma série de motivos que a gente sabe quais são, não é?, acabou não acontecendo. Então eu acho que a gente deve iniciar essa conversa, mas essa é uma tarefa que precisa ser amadurecida para quem sabe a gente pensar numa reformulação que coloque o CGI numa condição de maior protagonismo porque ele tem capacidade técnica, política e autoridade internacional para ter mais protagonismo nos debates sobre o uso e desenvolvimento da internet no brasil.

NP: Você colocou duas palavras que são fundamentais: a mobilização para construção do Marco Civil da Internet e uma atualização de tudo isso. Queria saber um pouquinho sobre o artigo 19 do MCI que fala da responsabilização das plataformas. Como é que você e o CGI estão pensando sobre ele para podermos, então, entrar no famoso PL 2630, conhecido como PL das Fake News?

RM: Esse é um tema muito caro para o CGI, que elaborou o decálogo da internet que são os princípios que norteiam uma governança democrática na internet no Brasil, sendo que um dos princípios é exatamente a inimputabilidade dos intermediários, o termo é bem pomposo para dizer que, naquela época, o que se colocava como um princípio importante é que os tais intermediários da internet, mas veja, há 15 anos atrás os intermediários tinham uma característica um pouco diferente, não é?, eles não poderiam ser responsabilizados pelos conteúdos dos terceiros porque isso poderia gerar um ambiente de insegurança jurídica e de distorção, com uma enxurrada de ordens judiciais que poderia ser um entrave para o pleno desenvolvimento de novas aplicações da internet. Sobre o artigo 19 é muito importante dizer que na penúltima reunião do CGI - eu já estava coordenadora - nós aprovamos duas resoluções - fazia alguns três anos, eu acho, que o CGI não aprovava resoluções de mérito, de conteúdo em torno de temas da internet - e uma dessas resoluções foi exatamente um posicionamento sobre a proposta de mudança do regime de responsabilidade prevista no PL 2630 e essa resolução tem uma característica muito importante que é reafirmar a nossa posição de defesa do modelo previsto no artigo 19 do Marco Civil da Internet como modelo preponderante para a responsabilidade dos intermediários, inclusive o NIC [Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR órgão do CGI] foi foi aceito como amicus curiae da ação que será julgada no STF. A grande polêmica e confusão que o debate sobre responsabilidade das plataformas de rede social e ferramentas de busca trouxe é que o artigo 19 do MCI fala em provedores de aplicação de internet, ele não fala de rede social, não fala de ferramenta de busca, mas ao mesmo tempo fala, porque a plataforma de rede social e a ferramenta de busca são provedores de aplicação de internet, mas elas são um tipo de provedor de aplicação e todo o resto que existe na internet também é provedor de aplicação. Vamos pegar um exemplo: o WordPress [WP], que é um sistema de administração para desenvolvimento de páginas web, que tem uma versão gratuita e uma versão mais avançada que é paga, e que, digamos assim, é o sistema que deve estruturar pelo menos metade ou mais dos sites da internet no Brasil. Então, ele é um provedor de aplicação de internet, ele é um intermediário e nesse caso um intermediário neutro, e o regime de responsabilidade do artigo 19 protege o WP - e está certo! - porque ele não pode ser responsável solidariamente porque um site que ele hospeda e publica. O Blogger, que é uma ferramenta oferecida pelo Google para quem quer ter um blog na internet. [...] O blogger é um intermediário neutro, ele não pode ser responsável pelo conteúdo do blog da Renata ou do Nelson. Então, o Marco Civil da Internet protege esse tipo de intermediário e, portanto, derrubar o artigo 19, julgá-lo inconstitucional, só vai trazer insegurança jurídica e, pior, na minha avaliação é trazer uma enxurrada de iniciativas que vão ter como consequência a restrição da liberdade de expressão dos usuários da internet no Brasil. Agora, isso significa que o artigo 19 [do MCI] não deva ser modificado? Isso significa que ele não precisa de algumas flexibilizações? Não, ele pode e deve ser atualizado a luz dos novos desafios e é por isso que o CGI se posicionou favoravelmente aos dois dispositivos do PL 2630 que flexibilizam, ou seja, mudam o regime de responsabilidade do artigo 19 para redes sociais e ferramentas de busca - que é o que está explícito no escopo da lei - em algumas situações. Eu acabei demorando um pouco nessa pergunta porque tem muita confusão sendo feita em torno do artigo 19 e se a gente não procurar explicar, o senso comum acaba liderando o debate jurídico e político e isso não vai trazer bons resultados para o uso da internet no brasil.

NP: Então, na sua avaliação, foi positivo o STF ter adiado esse julgamento do Artigo 19 do MCI?

RM: Eu acho que o STF pautou esse julgamento como uma forma de pressão, foi um movimento político para pressionar o Congresso Nacional a votar algo que modifique o artigo 19 do MCI, mas eu não sei se o que está previsto de mudança para o artigo 19 no projeto do PL 2630 atende, digamos assim, a visão que está sendo construída dentro do STF. Então, não sei se é positivo, mas pelo menos é um sinal de que eles estão aguardando um posicionamento da Câmara e é preciso que a ela retome urgentemente o debate do PL 2630 para que se aprove esse projeto e tenha mais um argumento, e agora legal, para levar ao STF e evitar o julgamento da inconstitucionalidade [do artigo 19] porque isso vai bagunçar toda a discussão sobre internet no brasil.

NP: Quer dizer que na sua avaliação o PL 2630 poderia resolver os problemas, digamos, com uma atualização no artigo 19 sem efetivamente mexer no Marco Civil da Internet que foi uma construção histórica coletiva?

RM: Eu acho que sim. Se ele resolve os problemas criados por esse tipo de aplicação que são as plataformas de rede social e ferramenta de busca, resolver é muito taxativo, não é?, mas acho que ele dá um passo importante para aumentar a responsabilidade deste tipo de aplicação da internet (rede social e ferramenta de busca) no sentido de proteger a sociedade contra circulação de conteúdos ilegais e nocivos, criando pesos e contrapesos para ao mesmo tempo proteger a liberdade de expressão sem alterar um regime de responsabilidade para o conjunto das aplicações da internet no Brasil, o que poderia trazer uma insegurança jurídica muito grande para para internet.

NP: Entrando especificamente no debate sobre o PL 2630 – que é a proposta de uma Lei brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, na sua visão, quais são as grandes questões que precisam ser enfrentadas?

RM: O PL é um passo inicial no debate sobre regulação dessas grandes plataformas digitais no Brasil. O Marco Civil da Internet não regula plataformas digitais,ele não debate moderação de conteúdo, ele é uma lei principiológica que define na forma de princípios deveres e direitos dos usuários da internet no Brasil como um todo. Esta legislação que estamos discutindo agora tem outro caráter, ela tem um caráter de olhar um tipo de modelo econômico que usa a internet para se estabelecer na sociedade e busca regular esse modelo econômico que hoje não possui nenhum tipo de regulação. Então, o PL 2630 é um passo inicial nesse debate. E para iniciar esse debate, quais são os aspectos que o PL enfrenta? Primeiro, obrigações de transparência por parte dessas empresas que atuam no Brasil, pois elas não prestam nenhum tipo de informação mais detalhada e mais relevante para que a sociedade brasileira e o poder público possam compreender os impactos da atuação dessas plataformas nas várias áreas da sociedade brasileira. Então, desde a informação de quantos usuários essas plataformas possuem no Brasil, que para elas são dados sensíveis porque tem relação com a bolsa de valores, valor de mercado, e por isso elas não gostam de dizer quantos usuários tem, até informações mais granularizada sobre as moderações de conteúdo que elas já realizam: quantos conteúdos são moderados por termos de uso, quantos são por ordem judicial, quais as motivações principais que levam uma plataforma moderar um conteúdo, quantas postagens moderadas são restituídas por questionamento do usuário… Ou seja, são informações que dizem respeito ao direito do usuário compreender como seus conteúdos estão sendo manejados por essas plataformas. Até um conjunto de outras [como sobre] a contratação das equipes de moderação: são contratadas no Brasil?, falam português como língua materna?, tem diversidade na composição dessas equipes? Sobre a transparência de algoritmos de recomendação que é a base do modelo de negócios e que tem gerado a polarização, digamos assim, da sociedade brasileira porque a recomendação vai se dando dentro daquele mesmo nicho e você vai recebendo cada vez mais os conteúdos antivacina, por exemplo. Então, é uma série de obrigações que as plataformas não querem oferecer, seja porque é sensível para o modelo de negócios delas, seja porque dar essas informações empodera a sociedade exatamente na produção de políticas públicas para melhorar o debate público. Obrigações de transparência sobre publicidade. Uma questão que estamos colocando no projeto que temos chamado de devido processo, porque hoje a relação do usuário com a plataforma é totalmente assimétrica, você não tem, por exemplo, um SAC. Se você quiser falar com a plataforma, reclamar de alguma coisa que aconteceu, se uma postagem sua saiu do ar, com quem você conversa, como você contesta? Como você pede mais informações sobre aquela ação da plataforma sobre a sua conta? Não tem! Então, o projeto cria uma série de obrigações e acho que essa é a grande importância desse projeto e é o primeiro passo de uma regulação que tem sido feito em vários países do mundo. A União Europeia criou uma série de obrigações já antes do DSA (Digital Service Act – Lei dos Serviços Digitais) e do do DMA (Digital Markets Act – Lei de Mercados Digitais), eles apenas aprofundaram isso. Outros países também, o Canadá tem discutido questões envolvendo remuneração de conteúdos jornalísticos, na Austrália também, então, é um conjunto de medidas que dá um passo inicial para regulação dessas empresas.

NP: Você acha que os temas da remuneração de conteúdo jornalistico e do direito autoral deveriam estar nesse PL ou poderiam ir para outro lugar, como está propondo a deputada Jandira Feghali com outro PL?

RM: Eu acho que a questão dos direitos autorais, que foi incluído recentemente no projeto, é um tema muito específico, pois PL 2630 em seu escopo não trata das plataformas de streaming , ele regula uma parte do ecossistema de plataformas digitais, bem especificamente ferramentas de busca, rede social e serviços de mensagem. Trazer outras aplicações de internet que tem modelos de negócio muito específicos como o das plataformas de streaming traz uma confusão no projeto porque tem uma série de obrigações ali que não cabem para esse tipo de plataforma. Então, eu acho que o mais adequado seria tratar isso em outro projeto de lei. Já a questão de remuneração de conteúdo jornalístico, que foi um tema bastante polêmico durante toda a tramitação do PL, tenho a impressão de que apesar de toda a polêmica que ele gerou, tinha-se alcançado um certo consenso entre os vários setores que discutem o assunto, entre as várias organizações que discutem o assunto, em torno da redação que estava pactuada no 2630. Assim, ele pode ser tratado em outro projeto de lei, talvez fosse até melhor um projeto de lei específico para esse assunto porque a questão do jornalismo é uma questão delicada, não é? Talvez sim! Mas a gente também sabe como é que acontecem os processos políticos, não é? Eu tenho medo que ao sair do 2630, um debate que acabou sendo feito pelo menos nos últimos dois anos e que se chegou a uma redação mais ou menos convergente, ao sair do 2630, esse trabalho se perca e a gente tenha uma redação que não atenda minimamente às preocupações dos setores mais variados envolvidos na produção de jornalismo no país.

NP: De uma forma mais direta, pois eu acho que isso é importante e precisa ficar bem mais claro, aqui na Europa tem um debate, um medo, de que a ideia de uma necessária regulação dos processos termine chegando à regulação de conteúdos. O PL 2630, na forma como ele está, traz esse temor?

RM: Esse é um debate muito importante. Quando o PL 2630 começou a circular, o foco dele era conteúdo e a ação da sociedade civil, do movimento social, das entidades direitos digitais, foi o de mudar o enfoque do projeto, tirar o foco do conteúdo e botar o enfoque num projeto mais de regulação das plataformas e de processos sistêmicos. Depois do 8 de janeiro, que trouxe toda aquela situação política que foi realmente chocante, não é?, talvez foi o ápice de percepção do conjunto de atores em relevantes da sociedade sobre como essas plataformas estavam sendo usadas para promover discursos golpistas e ataques ao Estado Democrático de Direito, algumas contribuições que vieram ao projeto dialogam, em certa medida, com análise de conteúdo. Então, hoje, o projeto 2630 tem duas sessões importantes. Uma é um “dever de cuidado” que é um conceito parecido com o que tem no DSA [da leigislação Europeia], mas que não é exatamente aquilo que lá está, que é na verdade um dever de cuidado para que a plataforma mitigue possíveis danos causados pela circulação de conteúdos ilegais e aí o PL 2630 lista um conjunto de conteúdos que deveriam ser alvo desse dever de cuidado, conteúdos que estão tipificados como crime na legislação brasileira, crime contra o Estado Democrático de Direito, alguns crimes que estão listados. De alguma maneira isso tem um enfoque em conteúdo, mas não no conteúdo individual. Junto com isso tem análise de riscos sistêmicos também. Então, se ficar comprovado que a plataforma não cumpriu esse dever de cuidar, ela pode, a partir desse momento, ser alvo de um protocolo emergencial e aí ela é passa a ser responsável solidária por conteúdos tipificados como crime na lei. Mas o que foi construído ali protege o conteúdo individual, a questão ali não é se a Renata postou um conteúdo, mas se há um conjunto de ações sendo desenvolvidas de forma difusa na plataforma para ter o objetivo de criar um movimento articulado, ilegal, dentro de uma rede social. Então, você não olha o conteúdo individual, mas de alguma maneira você acaba tendo uma obrigação de monitoramento de conteúdo sem dúvida nenhuma. Isso é uma situação delicada? É, mas a proposta procurou criar pesos e contrapesos para mitigar efeitos negativos desse tipo de monitoramento. Não tem não tem saída perfeita para esse problema, é uma questão que a gente vai ter que testar para sempre buscar proteger a liberdade de expressão.

NP: Até porque não tem situação perfeita para um tema delicado, tanto para a legislação como para aqueles que promovem esse tipo de ação que geram, como geraram no início de janeiro ataques às instituições, depois às escolas, estimulando comportamentos violentos na sociedade. Ou seja, uma situação complexa demanda uma solução legal complexa também, não é?

RM: Exatamente, e eu acho que a gente precisa olhar o conjunto dos comandos que estão previstos na lei. Acho que a medida em que a gente tiver todas as informações do relatório de transparência, do relatório de transparência em torno do risco sistêmico e devido processo, que é um relatório diferente do relatório geral de transparência, das auditorias, tudo isso vai nos fornecer informações preciosas para inclusive formular novas políticas públicas mais adequadas para atacar os fenômenos negativos que acontecem no âmbito dessas plataformas. Essa é uma primeira regulação e que está sendo feita quase que às escuras porque como essas plataformas não oferecem a informação necessária para a produção de políticas públicas adequadas, a gente fica nesse tempo zero [pois] quando a gente tiver já um, dois, três relatórios granularizados com todas essas informações, a sociedade brasileira e o poder público vão ter condições melhores de produzir medidas mais eficazes contra quem faz o abuso dessas plataformas e em defesa de quem faz o uso legítimo.

NP: Isso obviamente nos leva a pensar sobre quem vai analisar esses relatórios e quem vai punir os eventuais crimes que estejam sendo cometidos. Como ficamos com retirada da proposta de uma autoridade independente no PL? Qual é nossa saída? Seria o CGI?

RM: [risos] O CGI na reunião de final de março, que aprovou aquela resolução sobre o artigo 19, também aprovou uma resolução aceitando, digamos assim, ou concordando, com as atribuições previstas para o CGI na versão protocolada do relatório do deputado Orlando Silva. Com a consideração de que essas atribuições não podem, não devem ter caráter de fiscalização e sanção, porque o CGI não tem competência de órgão regulador. Nós somos um comitê de governança multissetorial, não temos capacidade para fazer enforcement, para aplicar sanção. Assim, a posição do CGI hoje é de considerar que o CGI deve ter algum papel dentro da arquitetura regulatória definida pelo Estado para fazer o acompanhamento dessa nova legislação, uma posição dentro das atribuições atualmente previstas pelo CGI, porque nós temos condições de contribuir com esse debate. Agora, [sobre] quem regula, quem faz o papel necessário para aplicação de uma lei que tem comandos tão complexos, isso é uma questão que o CGI não tem posição ainda. Nós estamos com uma consulta pública sobre regulação de plataformas em curso neste momento e um dos eixos é a questão de quem regula. Estamos buscando ouvir a sociedade através de uma consulta com opiniões [sobre] qual deve ser essa esse escopo regulatório, essa arquitetura regulatória. Estamos chamando as pessoas a contribuir com opiniões, depois o CGI vai avaliar essas contribuições e talvez se posicione num momento adequado sobre sobre essa questão. Hoje nós não temos essa opinião. Há várias questões colocadas, a Anatel tem se colocado...

NP: Seria a Anatel essa função?

RM: A Anatel está se colocando como a possibilidade para exercer essa função. A ANPD [Agência Nacional de Proteção de Dados] soltou uma nota também preocupada porque no projeto de lei há questões relacionadas com a proteção de dados pessoais e a privacidade, que é a atribuição deles. Há questões de concorrência da ordem econômica que poderiam ser atribuídas, por exemplo, ao CADE [Conselho Administrativo de Defesa Econômica]. Então, a regulação das plataformas digitais, na minha percepção, isso não é uma opinião do CGI porque nós não temos uma opinião ainda formada a respeito disso, é que trata-se de uma área da economia que não possui de forma explícita um espaço ideal para ser alocado. Hoje o Brasil não tem uma agência reguladora, uma autoridade, que já possua todas as competências para cuidar daquilo que está previsto no 2630. Então, ainda que se trabalhe com as agências já existentes, todas elas precisariam necessariamente passar por algum tipo de mudança, por algum tipo de mudança na sua direção, no seu corpo técnico porque nós estamos tratando, por exemplo, de questões que envolvem, sim, conteúdo como a gente já falou aqui, então uma agência que é eminentemente técnica não tem expertise para fazer discussão sobre conteúdo. Então, independentemente de qual seja o espaço encontrado, algum já existente ou um novo, ele vai precisar ser constituído a partir de servidores e de uma diretoria que tenha capacidade de ter esse olhar multidisciplinário, diria assim, para atender ao conjunto de atuações que a lei propõe. Então, acho que esse é o grande desafio que o Estado, o governo, vai precisar enfrentar, porque a criação ou modificação de uma agência reguladora é prerrogativa do Poder Executivo. Então essa fica uma tarefa importante que vai precisar ser olhada com carinho pelo pelo governo.

NP: Eu queria fechar falando um pouco do hoje e do futuro. Na década
de 1990 eu mesmo era um encantado com a internet, imaginando ela como sendo um grande meio revolucionário comunicação todos-todos. Te pergunto: sequestraram a nossa internet?

RM: No momento sequestraram a nossa internet, minha percepção é que sim. E a minha resposta é menos como coordenadora do CGI, mas mais como doutoranda, pesquisadora na área da comunicação. Aquela internet dos anos 90 que encantou pensadores intelectuais como Pierre Levi, o próprio [Manuel] Castells, que originou o manifesto do Perry Barlow, aquela era ainda uma internet nascente, ela estava apenas engatinhando no mundo e acho que houve uma certa ilusão inocente de que o sistema capitalista não teria e não encontraria os mecanismos de fazer valer a sua regra básica de que tudo tem um monopólio no capitalismo. Essa é uma das regrinhas básicas do sistema capitalista. E sob a internet se constituíram grandes monopólios internacionais que hoje são empresas mais poderosas política e economicamente do que a grande maioria dos países do mundo. Se existisse um G20 que fosse um mix entre nações e as empresas, Facebook/Meta, Apple, Alphabet provavelmente comporiam o G20, [e isso demonstra] o gigantismo que essas empresas alcançaram. E é uma distorção do capitalismo, isso traz problemas graves, sociais, econômicos e geopolíticos, então, em certa
medida, sim, as pessoas não acessam mais internet, as pessoas acessam as redes sociais. Então, o uso da internet foi sequestrado por essas grandes plataformas.

NP: O sonho acabou?

RM: Pois é, eu não queria terminar com uma visão pessimista, eu acho que sim, hoje elas sequestraram, mas acho que todo o trabalho que a sociedade civil, os espaços internacionais de governança da internet, os governos democráticos, os organismos internacionais de direitos humanos, todos eles precisam se mobilizar para fazer um movimento de, eu diria assim, de reocupação da internet, de reocupação da www, de fortalecimento dessa profusão de possibilidades que a internet oferece e que estão sendo hoje sub aproveitadas em razão do gigantismo das plataformas. Então, eu não sou exatamente uma pessimista, mas acho que é muito trabalho a ser feito para que a gente recoloque as coisas no seu devido lugar e por isso é tão importante regulação dessas grandes empresas na perspectiva de que a gente possa, de novo, ter uma internet que represente um avanço democrático para a sociedade mundial.
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Memória da Educação na Bahia – Robert Verhine e Uilma Amazonas

Com alegria anunciamos que mais dois depoimentos estão disponíveis no projeto Memória da Educação na Bahia (http://memoriaeducacaobahia.ufba.br). Os entrevistados são os professores Robert Verhine e Uilma Amazonas.O projeto é financiado pelo CNPq com a participação de bolsistas PIBIC (CNPq, UFBA e FAPESB) e integrante das atividades do grupo de pequisa Educação, Comunicação e Tecnologias (GEC), sob a coordenação de Nelson Pretto. Colaboraram Bruno Gonsalves e Tasso Dourado.

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Artigo sobre ciência no NE, de Lilian Bartira

Fazer ciência é também o nosso forte

Lilian Bartira Silva – GEC/FACED/UFBA – lilianbartira10@gmail.com

Os ataques xenofóbicos pós-eleições há muito expressam visões equivocadas a respeito da região Nordeste (NE). Equívocos que, originados principalmente do racismo instaurado no período colonial, não só dividem o país, mas invisibilizam propositalmente as potencialidades do povo nordestino. Para além do “falam mal do NE, mas passam férias aqui”, seus nove estados são exportadores de cultura e conhecimento. Fazer ciência é coisa que nordestino sabe fazer e faz muito bem.

O propósito dessas linhas, porém, não é reagir de forma bairrista aos ataques daqueles que não compreendem a potência de sermos um país, de Norte a Sul, rico e diverso, mas apresentar uma faceta do Nordeste que insistem em invisibilizar.

Anualmente, a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), uma das principais agências de fomento à pesquisa no Brasil, vinculada ao MEC, premia as melhores teses de doutorado do país. Uma das provas de que o Nordeste é também um grande produtor de conhecimento verifica-se nos oito, dos 49 trabalhos reconhecidos este ano, nas mais diversas áreas: Filosofia, Química e Engenharia Química (Universidade Federal do Rio Grande do Norte); Zootecnia / Recursos Pesqueiros e Biodiversidade (Universidade Federal Rural de Pernambuco), Biotecnologia e Saúde Coletiva (Universidade Federal da Bahia) e Astronomia / Física (Universidade Federal de Pernambuco). Além disso, a agência também honra projetos desenvolvidos por estudantes bolsistas. Em outubro, a Bolsista em destaque Capes foi uma doutoranda em Desenvolvimento e Inovação Tecnológica de Medicamentos da Universidade Federal do Ceará, com a criação de um produto facial sustentável que atua na hidratação e clareamento de manchas de pele.

No nível da educação básica, a boa notícia veio de uma escola municipal de Recife, que está em festa com a medalha de ouro conquistada por alunos do sexto ano na Olimpíada Brasileira de Robótica. A equipe Robotnik conquistou o primeiro lugar na modalidade prática presencial.

A região que possui a segunda maior população do país tem muito o que contar sobre seus feitos e não apenas sobre sua biodiversidade. Mesmo frente à escassez histórica de investimento e morosidade política no enfrentamento de problemas como os referentes ao polígono das secas, o Nordeste é também pujante em ciência e variadas formas de saberes. Das matas nativas às universidades, a sistematização de conhecimento constitui nosso modo de (re)existir.

Contra discursos pejorativos, o NE, segundo maior colégio eleitoral do país, responde com cultura, ciência e consciência política. Afinal, são do Nordeste um dos pensadores mais citados no mundo e o Presidente da República eleito pela terceira vez, recordista em número de votos.

Fazer ciência é o nosso forte, eleger presidente também! Um salve à democracia brasileira!

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Artigo de Nelson Pretto: "UFBA: reitor eleito, reitor empossado"

UFBA: reitor eleito, reitor empossado

Terminado o prazo para que fossem apresentados recursos ao processo eleitoral para escolha da nova gestão da UFBA, encerra-se localmente essa etapa do processo formal e caberá à Presidência da República nomear os novos dirigentes.

O momento é de, unidos, defender que a UFBA seja administrada entre 2022 e 2026 pela dupla Paulo Miguez/Penildo Silva. Eles foram os únicos candidatos com a inscrição homologada na eleição que efetivamente deveria valer, mas isso não é tão simples assim. Tento aqui, brevemente, explicar o processo.

A legislação em vigor para escolha dos dirigentes das Universidades é antiga e retrógrada. Ela está centrada em uma lógica hierárquica que super valoriza o voto do corpo docente: caso decida-se por uma eleição ampla na comunidade universitária, o peso dos votos dos professores terá que ser de 70%, ficando os restantes 30% para validar votos de servidores e estudantes. Como a comunidade universitária – na qual me incluo fortemente – é contra esses pesos desiguais e defende uma eleição direta com pesos igualitários para as três categorias, usamos uma brecha da legislação que possibilita que não se faça oficialmente essa eleição, deixando para o colégio eleitoral previsto na lei (composto pelos cerca de 90 membros dos conselhos superiores) a prerrogativa de promover eleição para a composição de uma lista tríplice.

Assim, os nossos sindicatos (APUB, ASSUFBA e DCE), organizaram uma “consulta informal” tendo nela se inscrito apenas a chapa Miguez/Penildo, que foram, assim, os eleitos pelo voto da comunidade universitária.

Posteriormente, e seguindo rigorosamente a lei, o Colégio eleitoral reuniu-se, tendo antes recebido as inscrições dos postulantes aos cargos de Reitor e Vice reitor, sufragando os mesmos Miguez e Penildo em primeiro lugar. Dessa forma, foi composta a lista tríplice exigida pela lei e que agora foi enviada à Presidência da República para nomeação, o que deverá acontecer até meados de agosto próximo.

Sendo assim, para nós, e aqui me incluo como um professor da UFBA e militante da democracia, só existe uma possibilidade, que sempre foi a nossa bandeira: “reitor eleito, reitor nomeado”.

Espera-se da Presidência da República esse comportamento, mas não podemos nos iludir nem tampouco baixar a guarda. Isso porque Bolsonaro não só tem atacado as universidades públicas com palavras, gestos e cortes de verbas, como tem, literalmente, provocado a comunidade universitária não nomeando o primeiro lugar das listas tríplices. Isso já ocorreu em mais de 20 das instituições federais de ensino superior.

A democracia no país, exige, portanto, que o Reitor eleito seja o Reitor nomeado, e isso é algo que deve ser defendido por toda a sociedade e não só pela comunidade da UFBA.

Nelson Pretto, professor da Faculdade de Educação da UFBA. nelson@pretto.pro.br, publicado em A Tarde, 22/06/22, pag. 03

Pdf da página aqui.

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Interseções entre comunicação, técnica, arte e educação

Curso de Leitura de Cinema III

Curso de Leitura de Cinema III


 
De 27 de setembro a 13 de outubro passado, os cineclubes Vesúvio e CINECITTÀ do Instituto de Letras da UFBA (ILUFBA), em parceria com o cineclube Fruto do Mato (Lençóis-BA) e o programa de extensão Janela Indiscreta, da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), realizaram a terceira edição do Curso Leitura de Cinema.
Na programação do Evento as discussões se pautaram nas seguintes temáticas: Procura-se a crítica desesperadamente, em 27/09, com a participação do professor do Centro Universitário UNIFTC, Leonardo Campos; em 29/09, a professora Janaína Vasconcelos, da Universidade Federal de Sergipe (UFS), conduziu discussões sobre Fotografia Cinemática: decodificando o cosmos diegético; os cineastas Nádia Mangolini (SESC/SP) e Marcus Vinicius Vasconcelos (Estúdio Teremim) conversaram sobre A animação autoral e o formato do curta-metragem, no dia 04/10; já no dia 06/10, a conversa foi em torno de Cinema e literatura: um diálogo intersemiótico, com a presença do educador Juca Badaró (UESB). O quinto encontro (13/10) teve a participação do fotógrafo Miguel Vassy, que encerrou o evento com atividades práticas do uso da fotografia no cinema, cujo tema foi Filmar com o corpo: uma aula de câmera na mão e suas técnicas.
A ação educacional teve 10 horas de carga horária e ofereceu certificados para os participantes. A professora da Faculdade de Educação da UFBA, Kelly Ludkiewicz Alves, uma das organizadoras do Evento, e também integrante do GEC, fez o seguinte comentário sobre o envolvimento do GEC em questões relacionadas ao cinema:
A participação do GEC na promoção do Curso Leitura de Cinema III é importante por contribuir para o acesso a conteúdos relacionados ao cinema, em aulas que apresentaram ao público técnicas audiovisuais, que possibilitaram compreender o processo de realização dos filmes a partir da linguagem cinematográfica. Além disso, a promoção de atividades de ensino, pesquisa e extensão de forma articulada, promove espaços inclusivos, de formação, debate e valorização da arte e da cultura, que fortalecem a integração entre a universidade pública e a sociedade. Por fim, a realização de um curso utilizando soluções livres para transmissão das aulas é fundamental como movimento político para fortalecermos a importância do livre e do aberto na educação.
Já o doutorando Igor Tairone, também integrante do GEC, participou do Evento como intérprete de Libras. Segundo ele:
Os intérpretes de língua brasileira de sinais são importantes em palestras, cursos e demais eventos por possibilitarem que deficientes auditivos consigam ter acesso ao importante conhecimento produzido, bem como também participarem ativamente das discussões. No cinema, por exemplo, temos as legendas e outros mecanismos para promoção de acessibilidade, o que tornou extremamente positivo que houvesse interpretação num curso sobre a sétima arte, o cinema.
A iniciativa da ação educacional ajuda a firmar a presença do GEC como grupo de pesquisa vinculado às questões das tecnologias e da comunicação, ao trazer para um público mais amplo as interfaces entre ciência, técnica, artes e educação.
Que outros eventos assim possam ser realizados com a presença dos componentes do GEC e que sirvam para ampliar a atuação da Faced-UFBA como impulsionadora de pesquisa em educação de forma transdisciplinar.
Visite o site do Cineclube Vesúvio para obter mais informações sobre as atividades de extensão em cinema e educação na UFBA.
Os vídeos das aulas do Curso Leitura de Cinema III já estão disponíveis no Canal do Curso na plataforma EDUPLAY.
No Canal também estão disponíveis os vídeos do Curso Leitura de Cinema II, realizado em dezembro de 2020, no qual foram trabalhados os temas figurino, roteiro, efeitos sonoros e documentário.
Até a próxima!

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As tecnologias e a nova ordem do capital

Capitalismo de vigilância
A revista Nossa Ciência publicou artigo do doutorando em Educação Cleonilton Souza, membro do GEC, sobre o tema Capitalismo de Vigilância. Capitalismo de Vigilância é um tema transversal, que envolve áreas como economia, sociologia, filosofia, comunicação, tecnologia e educação, é claro.

Leiam o texto aqui no site na íntegra:

Capitalismo de vigilância

O cidadão acorda e vai à padaria comprar pão, passa na farmácia e adquire remédios; depois enche o tanque de gasolina do carro e volta para casa. Se esse cidadão pagou tudo com cartão de crédito, todas essas ações estão agora rastreadas na base de dados do banco.

Além de ter as transações comerciais registradas nas bases de dados, a instituição financeira ainda pode rastrear os comportamentos da pessoa. Com os dados comportamentais é possível, a depender da situação, identificar hábitos, analisar ações ou mesmo prever novas ações da pessoa, como, por exemplo, comprar combustível toda semana, em determinado posto, no mesmo horário. Informações assim podem servir tanto para ações de marketing personalizado, quanto para criar perfis que servirão de base para operações de seguros, seleção em empregos ou aquisição de crédito.

Este estado de coisas é denominado pela pesquisadora Shoshana Zuboff de capitalismo de vigilância, uma nova ordem econômica mundial, bem diferente do capitalismo industrial, cujo sustentáculo era a mercadoria. No capitalismo de vigilância, o suporte econômico é o comportamento humano e quanto mais dados pessoais houver em bases de dados, mais os sistemas terão facilidade em predizer ações humanas e transformar essa nova “mercadoria” em lucros.

O capitalismo de vigilância tem como suporte avançados sistemas de tecnologias baseadas em códigos computacionais, gerenciamento de grandes quantidades de dados e conexão contínua. Empresas como Google e Facebook assumiram posições de destaque no mercado global nos últimos 20 anos por atuarem no capitalismo de vigilância e hoje estão na categoria de maiores empresas do mundo.

Ao ter a própria experiência de vida capturada de forma contínua pelas empresas, o cidadão pode ficar sem proteção e ter os direitos comprometidos diante do poderio de grandes corporações, que acumulam dados da vida das pessoas e não prestam contas sobre o destino dos referidos dados.

Essa vigilância é sutil. Vez por outra, o cidadão em compras fornece números de telefone e CPF sem se questionar o porquê de esses dados serem registrados nos cadastros das empresas ou mesmo assinam termos de compromisso na internet sem ter lido as minutas de tais documentos.

Estas questões precisam entrar no debate público, e o cidadão precisa se reeducar para esse novo mundo do capital e aprender a defender os próprios direitos quando estes estiverem sendo prejudicados por essa nova ordem do capital sustentada pelas novas tecnologias que capturam os comportamentos humanos. E cabe à sociedade criar condições para o cidadão conviver nesses ambientes cuja ordem do capital se pauta na vigilância.

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